Desafios do etanol de milho no Mato Grosso – e no Brasil

Desafios do etanol de milho no Mato Grosso – e no Brasil

 

A expansão da produção de etanol de milho vem chamando atenção do setor sucroenergético. Durante alguns anos, as usinas flex – que processam cana e milho – receberam investimentos em um ritmo lento. Porém, desde o anúncio da primeira usina totalmente dedicada ao grão, a unidade da FS Bioenergia em Lucas do Rio Verde (MT), diversos outros projetos foram anunciados.

“A concentração dos investimentos na produção de etanol de milho tem sido na região Centro-Oeste do país, principalmente em Mato Grosso e Goiás, destacando Mato Grosso pelo tamanho da produção de milho e o baixo custo do fornecimento dessa matéria-prima”, relata o presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), Ricardo Tomczyk.

Durante o Sugar & Ethanol Brazil, organizado pela F.O. Licht, ele relatou que o país possui, atualmente, 10 usinas de etanol de milho já em operação: cinco em Mato Grosso, três em Goiás, uma em São Paulo (etanol para fins industriais) e uma no Paraná.

 

Etanol de Milho

 

Com isso, em 2018, o Brasil fabricou em torno de 840 milhões de litros de etanol de milho. “Ainda é pouco representativo perto dos 32 bilhões de litros totais produzidos, mas é crescente”, assegura.

De acordo com ele, quatro novas usinas estão em construção, com três começando a operar ainda este ano – uma em Goiás e duas em Mato Grosso. A quarta unidade, também localizada em Mato Grosso, deve começar a produzir em 2020.

“Recentemente, dois novos projetos foram lançados. Eles devem começar a construção neste ano e são enormes]: uma usina para 520 milhões de litros por ano e a outra para 800 milhões de litros”, continuou Tomczyk, referindo-se aos projetos em Nova Mutum (MT).

Além disso, o presidente afirma que há três usinas flex – com produção de etanol a partir de milho e cana-de-açúcar – funcionando no estado, com a inauguração de uma quarta unidade prevista para esse ano. “Muitas outras devem ir para o mesmo caminho em função da disponibilidade de matéria-prima. Há muitos projetos em Minas Gerais e até em São Paulo, aproveitando as oportunidades que podem ser geradas na entressafra da cana”, complementa.

Dessa forma, a previsão para 2019 é de uma produção de 1,45 bilhão de litros de etanol de milho. No ano seguinte, ele acredita que esse número deva chegar a 2,6 bilhões de litros.

Com os investimentos, contudo, os desafios que acompanham o aumento da produção também se tornam evidentes. Na NovaCana Ethanol Conference 2019, que acontece em São Paulo (SP) nos dias 16 e 17 de setembro, Tomczyk abordará esse e outros temas relacionados ao etanol de milho.

“Nosso palpite é que chegaremos em 2028 com uma produção de aproximadamente 8 bilhões de litros de etanol de milho”, afirma, mas pondera: “Isso poderia ser maior se a gente não tivesse gargalos”.

unem 1 projecao milho 2028 010719

Tomczyk é advogado, empresário e agricultor. Ele foi um dos membros fundadores da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso (Aprosoja-MT), tendo ocupado diversos cargos no conselho de administração da entidade, além da presidência. Ao longo de sua carreira, ele ainda atuou no Fundo de Apoio ao Cultivo de Soja (FACS) e foi vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), também acumulando passagens pelo Instituto Pensar Agropecuária (IPA) e pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico do Estado do Mato Grosso.

Na NovaCana Ethanol Conference, ele estará presente em um painel na tarde do segundo dia do evento, acompanhado pelo presidente executivo da FS Bioenergia, Henrique Ubrig, e pelo diretor-presidente da Cerradinho, Paulo Oliveira Motta Jr. Além disso, os palestrantes participarão de um debate moderado pelo pesquisador-chefe da Embrapa Milho e Sorgo, Antonio Alvaro Purcino.

Um cenário favorável e com geração de valor

Durante o Sugar & Ethanol Brazil, Ricardo Tomczyk apresentou os elementos que tornaram propícios os atuais investimentos no etanol de milho. Entre esses aspectos, ele cita a disponibilidade de terras na região Centro-Oeste, o maior uso de tecnologia no campo, um desenvolvimento – “ainda que modesto” – da infraestrutura nacional, o empreendedorismo do produtor de grãos e a pesquisa nacional, que possibilitou a implementação da segunda safra.

“A maior parte do milho nacional é produzida em segunda safra, representando todo o crescimento da produção de milho no país”, afirma, relembrando que o país importava o grão antes da popularização desta prática. “Essa é uma característica do Brasil, com algum modelo acontecendo no Paraguai, mas quase não tem outro precedente no mundo”.

Para exemplificar o cenário vantajoso, ele cita que o preço médio da tonelada de milho em abril, no período de entressafra, foi de R$ 383 por tonelada. No período, ele relata que o etanol teve uma queda de preço, assim como o DDG – outro produto da usina –, devido ao início da safra de cana-de-açúcar e à grande oferta de farelo de soja. Ainda assim, as usinas conseguiram uma receita de R$ 984,30/t, ou seja, um valor equivalente a 2,57 vezes o do custo.

unem 2 milho geracao valor 010719

“Em novembro, essa relação chegou a três vezes. Ela varia, obviamente, por conta dos preços, mas é um bom negócio, é uma geração importante de valor”, relata e completa: “Também deixa de ser uma produção primária sem, por exemplo, arrecadação de ICMS, sem grande geração de empregos, sem verticalização e pressionando a pouca infraestrutura que nós temos”.

“O Iowa brasileiro”

Além disso, ele acredita que há espaço para expansão das terras agrícolas, sem a ocorrência de desmatamento. “Nós temos áreas de pastagem de baixa produtividade, que estão sendo incorporadas ano após ano ao plantio de grãos, sem perda de volume no rebanho. Estamos aumentando a produtividade do rebanho com mais tecnologia e demandando menos área”, explica.

Com isso, Tomczyk acredita que o milho deve se consolidar como “uma grande vocação” do Centro-Oeste do país, destacando o Mato Grosso. De acordo com ele, o estado pode dobrar a área utilizada para o cultivo de grãos apenas com a ocupação de áreas de pastagens.

Esse grande aumento da produção, no entanto, acontece em estados com carência de infraestrutura e distantes dos portos. Assim, uma das soluções encontradas foi a industrialização dos produtos. Com isso, o milho excedente deixa de ser exportado e passa a ser transformado em outros produtos, como o etanol.

“O Mato Grosso está se consolidando como um grande produtor, o Iowa brasileiro”, celebra e justifica, citando semelhanças com o estado de Iowa, nos Estados Unidos: “Desde [volume de] população, distância dos portos e uma economia baseada na produção primária. Em 15 anos, o Iowa passou a ser um grande estado industrial”.

Pedras pelo caminho

Entretanto, para ser economicamente viável, esse aumento na produção de etanol depende de uma ampliação no consumo do biocombustível. “Não podemos ficar aumentando a oferta se, daqui a pouco, o cenário de consumo não se confirma; nós vamos ter problemas. Obviamente, os preços vão cair e toda a cadeia vai desacelerar”, argumenta o presidente da Unem.

Com isso, ele reafirma que o início operacional do RenovaBio é “a grande esperança” para 2020, com o programa funcionando como um “incentivo adicional” para investimentos no etanol de milho.

Esta, porém, não é a única dúvida relacionada ao futuro do etanol de milho. Tomczyk destaca especialmente a questão tributária da nova cadeia, tanto nos estados quanto na esfera federal. “Em Mato Grosso, nós já estamos travando uma guerra enorme com o governo”, afirma e explica: “O estado está com dificuldades financeiras e, por isso, uma cadeia que está investindo – talvez o negócio que mais esteja gerando investimentos e aumento de arrecadação para o estado – se tornou a ‘bola da vez’ para um aumento de tributação”.

Outro ponto é a questão logística. Segundo Tomczyk, o Centro-Oeste representa um mercado muito pequeno e o etanol produzido em Mato Grosso, por exemplo, já supera a demanda local. Assim, qualquer adição à produção representa um volume maior de etanol que precisará ser levado para outros estados. “Vamos ter que acessar os mercados do Norte e do Nordeste, do Centro-Sul”, afirma.

Para isso, algumas melhorias já estão sendo feitas, como o asfaltamento da BR-163, que liga o Mato Grosso ao Pará. Com isso, ele acredita que o transporte do etanol de milho produzido no norte do estado – especialmente Sorriso e Sinop – para a região Norte do país se tornará mais barato, permitindo que uma maior acessibilidade do etanol hidratado nesse mercado, onde o consumo ainda é baixo.

“Mas o mercado do Centro-Sul, obviamente, é o grande mercado”, afirma e completa: “Os desafios são grandes para levar etanol do Mato Grosso para o Sudeste, mas a ferrovia que leva diesel e gasolina para o Mato Grosso, por exemplo, deve começar a operar muito rapidamente com o retorno levando etanol”.

Tomczyk também relata que aconteceram conversas com a Logum para que o projeto do etanolduto seja estendido; seja para mais perto ou até mesmo para Mato Grosso. A expansão, no entanto, deve depender de um aumento de produção que viabilize o investimento da companhia. “A chegada do etanolduto para algo mais próximo dessa produção está no nosso cenário de médio prazo e longo prazo”, garante.

Por fim, outro gargalo é o fornecimento de biomassa. Segundo o presidente da Unem há um “ponto de interrogação” neste quesito. Ele explica que a principal biomassa utilizada pelas usinas para a geração de energia é o eucalipto, que está em falta na região.

Dessa forma, o setor está em busca de outras soluções, como o cavaco de serraria, o caroço de algodão e a casca de arroz. “É um fator que gera uma oportunidade, mas também gera uma preocupação”, pondera. Por serem resíduos, essas matérias-primas auxiliam na redução da pegada de carbono do etanol de milho, tornando o produto mais vantajoso dentro do RenovaBio.

O etanol de milho importado e a competitividade no RenovaBio

Com isso, Ricardo Tomczyk aproveita para comparar o etanol de milho brasileiro à versão produzida nos Estados Unidos, que é importada pelo Brasil para atender principalmente ao mercado da região Norte-Nordeste.

“Temos diferenças que são muito importantes. Por exemplo, em todas as plantas de etanol de milho do país há a queima de biomassa para a geração de energia, um combustível renovável”, relata. De acordo com ele, nos Estados Unidos, a maior parte das usinas usa gás natural, com algumas plantas utilizando carvão.

Assim, além de ocorrer uma redução nos custos e a possibilidade de venda da energia excedente para a rede, a chamada “pegada de carbono” do biocombustível nacional também acaba sendo menor. Essa característica deve aumentar os ganhos das usinas dentro dos parâmetros da nova política nacional de biocombustíveis (RenovaBio).

Além disso, a prática da segunda safra também beneficia o produto brasileiro. Tomczyk explica que isso gera uma melhor ocupação de solo e, para completar, a principal fonte de nitrogênio para a planta acaba sendo a própria fixação feita pela soja. Nos Estados Unidos, em contrapartida, os produtores precisam recorrer à fertilização artificial, o que é contabilizado no RenovaBio.

O programa também é citado pelo presidente da Unem como um incentivo aos investimentos em novas usinas de etanol. “Os dados da EPE falam em uma demanda de 49 bilhões de litros em 2030. Existem controvérsias que apontam para até mais do que isso, com consultorias falando em mais de 55 bilhões de litros, dependendo do andamento do RenovaBio”, afirma e complementa: “Mas, assumindo esse cenário de 49 bilhões de litros de demanda, nós vamos precisar aumentar a produção. E o etanol de milho está sendo uma grande alternativa para suprir essa demanda”.

Cana-de-açúcar x milho

O presidente da Unem também faz uma diferenciação entre os modelos de usinas full, flex e flex-full. A primeira produz apenas etanol de milho; a segunda, que ele chama de “flex normal”, utiliza o grão apenas na entressafra de cana-de-açúcar, um modelo que recomenda para São Paulo, Minas e Paraná; já a flex-full opera com as duas matérias-primas em paralelo, modelo adotado pelas usinas em operação em Mato Grosso.

Na prática, algumas das principais diferenças entre as usinas de cana e as de milho são as possibilidades de estocar o grão e de comprar matéria-prima no mercado futuro. Segundo Tomczyk, as operações de etanol de milho proporcionam uma facilidade maior no manejo de riscos.

“No limite, se os preços mundiais de milho explodirem, você pode dar uma parada na usina e vender o estoque de milho, não há impedimento”, explora. Ele reforça, porém, que os preços atualmente praticados no país são “bastante viáveis”, principalmente no Centro-Oeste.

Além disso, ele garante que a matéria-prima já é disponível e abundante. “Basta construir a fábrica. Não precisamos produzir mais milho para ter uma grande produção de etanol”, garante.

O produto, porém, deve receber notas um pouco inferiores às do etanol de cana-de-açúcar dentro do RenovaBio. Ainda assim, o presidente da Unem afirma que o etanol de milho brasileiro possui uma emissão de carbono inferior a da versão importada e está bem mais próximo aos resultados da cana.

“O etanol de milho tem grande eficiência na pegada de carbono. É uma grande justificativa para a segunda safra e para esse enorme potencial que existe no Centro-Oeste brasileiro”, garante.

Impacto em outras cadeias

Ainda de acordo com Tomczyk, o processamento do milho é bastante influente sobre outras cadeias produtivas, com destaque para a produção de eucalipto. A madeira é uma das principais biomassas utilizadas para a geração de energia industrial e a demanda por parte das usinas de etanol “é uma enormidade”.

“Não temos todo esse eucalipto disponível. Abriu-se uma oportunidade para um negócio que estava dormente no Centro-Oeste, principalmente no Mato Grosso, que é a floresta plantada”, relata e explica: “Tinha eucalipto em Mato Grosso, mas não tinha demanda nenhuma. Hoje, não tem eucalipto para quem quer e vai ser um bom negócio para as usinas. Temos, inclusive, programa de fomento para parceiros produtores, garantindo a compra e o preço”.

Outro impacto se dá na produção de proteína animal, que passa a contar com a oferta crescente de grãos de destilaria secos (DDG). “O aumento da produtividade na produção de leite, carne e ovos é bastante significativo quando se melhora a dieta dos animais”, afirma, garantindo que o DDG oferece essa melhoria com preço acessível e acesso fácil, já que a produção ocorre nos estados do Centro-Oeste.

Fonte: https://www.novacana.com/n/eventos/ricardo-tomczyk

Compartilhe nas Redes Sociais!
4 de julho de 2019
Voltar para Blog