Posso imaginar uma cadeia global interplanetária de suprimentos, diz Nick Vyas

O diretor do Centro de Gestão de Cadeia Global de Suprimentos da Escola de Negócios da Universidade do Sul da Califórnia (USC) estuda como as tecnologias poderão alimentar 10 bilhões de habitantes.

NICK VYAS, DIRETOR DO CENTRO DE GESTÃO DE CADEIA GLOBAL DE SUPRIMENTOS DA ESCOLA DE NEGÓCIOS DA UNIVERSIDADE DO SUL DA CALIFÓRNIA (USC)

NICK VYAS, DIRETOR DO CENTRO DE GESTÃO DE CADEIA GLOBAL DE SUPRIMENTOS DA ESCOLA DE NEGÓCIOS DA UNIVERSIDADE DO SUL DA CALIFÓRNIA (USC) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

 

“Meus avós viveram uma vida muito simples. Bebiam leite entregue pessoalmente pelo produtor e comiam apenas os alimentos que a terra dava naquela estação. Não havia qualquer complexidade logística”, diz Nick Vyas, uma das maiores autoridades do mundo em supply chain (cadeia de suprimentos) — um assunto que não fez falta a seus avós, mas será essencial a seus dois filhos. Diretor do Centro de Gestão de Cadeia Global de Suprimentos da Escola de Negócios da Universidade do Sul da Califórnia (USC), Vyas estuda como as tecnologias darão conta de alimentar 10 bilhões de habitantes — a população esperada para 2050 —, com menor impacto ambiental e à saúde do que hoje. Ao visitar o Brasil, para um evento promovido pela KPMG e a Abralog (Associação Brasileira de Logística), Vyas falou com Época NEGÓCIOS sobre seu novo livro, Blockchain and the Supply Chain: Concepts, Strategies and Practical Applications, inédito em português.

Como as novas tecnologias estão mudando a cadeia de suprimentos?
Estão mudando muito, muito depressa. O modelo atual de cadeia de suprimentos foi o mesmo durante 20 anos. Antes de o mercado se abrir à China, nos anos 1990, a cadeia de suprimentos representava apenas o transporte de produtos.

Não era exatamente uma cadeia…
Não, não era uma cadeia. O que aconteceu após a década de 1990 foi a evolução tecnológica como algo realmente disruptivo para a cadeia global. Estamos agora numa época em que a cadeia de suprimentos está se tornando realmente fascinante. Está mais sexy do que finanças! Tecnologias como blockchain, inteligência artificial, realidade aumentada, machine learning, data analytics… Todas elas convergem para um futuro incrível.

Como será esse futuro?
Já estamos nele. A Amazon hoje, nos Estados Unidos, tem a habilidade de prever o que o cliente vai encomendar. A empresa leva o produto até um centro de distribuição perto da sua casa, antes mesmo de você saber que quer. Assim, podem entregar em menos de 4 horas.

Não entregam antes de o cliente pedir apenas para não assustar…
Isso mesmo. As previsões no futuro serão baseadas em tantos dados que será possível praticamente conhecer a pessoa e determinar suas necessidades antes mesmo de ela as sentir.

Como empresas como a Amazon adivinham os desejos do consumidor?
Há várias camadas de previsão sobrepostas. Partindo de uma bastante impessoal: quais são os hábitos de uma vizinhança com determinado padrão de renda? Hoje, é possível refinar a previsão para cada casa, e mesmo para cada indivíduo, ao analisar dados como a forma como você pesquisa, o que você consumiu ultimamente, qual é o seu padrão… No passado, a previsão era um tiro no escuro. Agora, existe uma pesquisa de mercado exclusiva para cada consumidor.

Para os próximos anos, Amazon e Alibaba prometem entregar qualquer coisa em qualquer canto do mundo em 72 horas. Como isso será possível?
É aí que a cadeia de suprimentos entra de verdade. Depende de infraestrutura, capital humano, pessoas capacitadas e capazes de executar processos, tecnologia e sistemas que conectem todos esses agentes. Nas grandes cidades, o desafio será ainda mais ambicioso: entregar qualquer coisa em menos de duas horas. O maior gargalo que existe hoje é a fricção. A fricção ocorre quando há processos sem sincronia. Sistemas que não conversam, dados incompatíveis de uma base para outra… Hoje, algo entre 35% a 50% da eficiência da cadeia de suprimentos se perde com essa fricção. Tecnologias como blockchain, inteligência artificial, machine learning e big data estão permitindo às empresas reduzir o atrito. Então poderemos dar um passo à frente ao incorporar a impressão 3D, em larga escala, à logística. Muitos dos produtos básicos de hoje poderão ser impressos sob demanda.

Produtos vão se tornar tão rápidos quanto a informação, conforme viajarem como informação, para se materializarem apenas no destino.
Exato. Haverá um tremendo crescimento nos próximos 20 ou 30 anos. A capacidade de computação vai crescer muito e os custos de processamento vão cair.

Como o blockchain pode reduzir a fricção?
Hoje, a produção de dados aumenta depressa. Está na ordem de trilhões de bytes, mas não sabemos o que fazer com isso. Está tudo estocado. O blockchain é uma ótima oportunidade para tirar esses dados da caixa. Do contrário, teremos mais fricções agora do que no passado. Essa tecnologia vai reduzir o impacto social, ao permitir identificar todas as impressões digitais ao longo da cadeia. Trabalho infantil, métodos sustentáveis de extrativismo… será possível traçar todo o caminho percorrido por produtos como os alimentos, do campo até a mesa.

Em que medida nós, humanos, somos parte da fricção na logística?
Os humanos são uma grande fonte de fricção. Com as atuais capacidades de inteligência artificial e robótica, estamos vendo como as máquinas conseguem tomar decisões mais consistentes — e mais inteligentes, em alguns casos — do que os humanos jamais fizeram. É assustador, mas às vezes a inteligência artificial pode se tornar muito mais inteligente. Não sabemos o que vai acontecer, porque não cruzamos esse território, mas acho que veremos muita introdução de máquinas, a fim de remover a fricção dos humanos. Isso é o futuro. Vamos gostar disso? Não tenho certeza. Temos escolha? Acho que não. O gênio já está fora da garrafa. Acho que, como sociedade, vamos ver as máquinas assumirem — já estão assumindo — uma grande variedade de papéis. O que as tecnologias da logística farão para atender a uma população mundial que chegará aos 10 bilhões de pessoas? É um desafio único.

A previsão catastrofista de Thomas Malthus pode se concretizar…
A corrida espacial tem a ver com isso. O plano de colonizar outros planetas pode parecer exagerado agora, mas se revelar uma necessidade daqui a 150 anos. Quando esgotarmos todos os recursos naturais, os humanos mais ricos podem querer se mudar para outros planetas. Do ponto de vista da cadeia de suprimentos, é fascinante o que deve acontecer nas próximas décadas.

A expressão “cadeia global de suprimentos” ficará obsoleta, quando o transporte deixar de ser limitado à Terra e se estender ao universo.
É verdade. Teríamos uma cadeia global interplanetária de suprimentos. Posso imaginar isso. Talvez não seja ruim. Os últimos 40 anos de avanço da globalização abriram oportunidades fantásticas e tiraram 1,2 bilhão de pessoas da pobreza.

Fonte: https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2018/10/posso-imaginar-uma-cadeia-global-interplanetaria-de-suprimentos-diz-nick-vayas.html

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6 de novembro de 2018
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